top of page

Prazer oculto



Violado, inseguro e desconfortável. Assim, me sinto ao ser insistentemente infortunado a revelar as minhas peculiaridades. Quando o assunto são as minhas intimidades, ainda me encontro na fase da adolescência. É difícil. Tudo parece disforme, inexplicável, complicado... Ao me expor, é como se estivesse rodeado de pessoas, todas apontando os dedos em minha direção, esperando o momento exato para julgar as minhas atitudes. Demorei muito tempo para revelar este segredo. Por isso, gostaria de ser levado a sério e, em hipótese nenhuma, ser ridicularizado muito menos julgado, afinal foram vocês que encheram a minha paciência a fim de descobrir um pouco mais dos ocultos mistérios escondidos por detrás desta máscara tão convincente de bom moço.


O prazer é um sentimento capaz de desestruturar qualquer ser humano. É um desestrutura imensurável, porém prazerosa. Já ousou imaginar a sensação de uma pessoa faminta que há dias não tem a alegria de ter algum alimento para tapear o estômago? Não? Então, resumo: o corpo fala, o estômago move, grita e esperneia. As lágrimas chegam aos olhos, mas relutam em escorrer. Na verdade, são absorvidas para poupar as perdas, já que os nutrientes de cada gota de lágrima desperdiçada, em algum momento, fará falta ao desgraçado corpo mal nutrido. Ter a oportunidade de matar a fome, é como ser engolido por um tornado de sensações. Demora um pouco para o corpo reconhecer o milagre, mas, quando sente o alimento, explode, proporcionando ao faminto um prazer inimaginável.


É provável que muitos de vocês não saibam a sensação de abrir uma geladeira e não ter nada para forrar a cavidade espessa do estômago. Então, o exemplo anterior não seria o mais apropriado a vocês, seres privilegiados. Por isso, apelo a algo mais palpável: sua experiência com ser humano de já ter conseguido conquistar algo que parecesse impossível. Se tiver a chance de interrogar universitários, principalmente os de medicina, sobre o momento mais feliz e gratificante de suas vidas. Muitos dirão que é a alegria de encontrar, dentre tantos, os seus nomes na lista dos aprovados. Só quem passou por isso sabe o prazer de ver o nome materializado em uma curta ou longa – a depender da universidade – lista de aprovação. Não há explicação, porém, mais uma vez, o corpo responde com excesso de sensações imensuráveis.


Para alguns ainda pode estar complicado perceber o que estou tentando dizer, não é mesmo? Entretanto, não se preocupe, vou tentar ser mais específico. Para isso, apelarei a uma das banalidades da vida, algo aparentemente sem muito significado. Você com certeza já deve ter experimentado a sensação do aperto, aperto que eu digo é aquele de sentir a necessidade de visitar um banheiro seja para urinar ou defecar. Uma vez, experimentei essa sensação quando saí com a família de uma amiga, ou melhor, uma paquera. Em uma refeição agradável, acabei excedendo na bebida e, no caminho de volta para a casa, a bexiga, teimosa, achou que era conveniente dar o ar da graça, mandando sinal desconfortáveis. O líquido passou dos limites, a bexiga não tinha mais espaço, pedia para ser aliviada, mas o momento não era propício. Os minutos até a minha casa pareceram um eternidade. Foi uma tortura, mas, quando cheguei em frente ao vaso sanitário, não conseguir segurar tamanha a emoção de expelir cada gota de urina. Foi uma maravilha, um prazer duplo e simultâneo: primeiro o de sentir o líquido deixar o meu corpo; e segundo o de senti a bexiga vazia.


Agora, eu acho que as coisas estão ficando mais óbvias, certo? Entretanto, se a resposta à pergunta anterior ainda permanece negativa, apresento a carta curinga, isso mesmo, a infalível. Desse modo, apelo sem dó nem piedade ao orgasmo. Isso mesmo, a essa sensação tão complicada de traduzir em palavras, mas que definitivamente resume, sem dúvida, os prazeres que o nosso corpo tem a capacidade de nos proporcionar. O prazer que começa no clímax do orgasmo se prolonga por meio de um relaxamento, uma leveza que modifica todo o nosso corpo. Prazer que vai além do momento, permanece vivo em nosso sorriso espontâneo, em nosso bem estar. Aqui, chego à conclusão de que algum ou vários desses prazeres já fizeram parte de sua vida, é impossível negar. E aposto com vocês a impossibilidade de renunciar aos prazeres da vida. Não adianta ser hipócrita, você jamais renunciaria a possibilidade de sentir sensações tão boas. Eu também não.


Acontece que o meu maior prazer, eu experimentei há alguns anos. Com medo de ser mal interpretado, nunca tive coragem de dividi este segredo com ninguém. Mas antes de entrar nos detalhes, digo que nunca experimentei tanto prazer quando nessa experiência. Orgasmo, a sensação de passar na universidade e a bexiga cheia não chegavam nem perto do meu prazer de invadir corpos inocentes. Invasão, geralmente, feita por meio de um material cortante. As facas de açougueiro bem afiadas são as minhas favoritas. Perfurar a pele de minhas vítimas e caminhar com a lâmina sorrateiramente pelo seu corpo é para mim uma sensação inexplicável. O prazer assume o ápice, e o sentimento é saciado apenas quando o coração para, a respiração cessa e os pulsos deixar emanam os últimos sinais.


Certamente, se você chegou até aqui deve estar me julgando neste exato momento. Frio, calculista, monstro, sem coração devem ser apenas algumas das palavras usadas por vocês leitores para me descrever. Mas saiba que, como não tem a capacidade de se colocar na pele de uma pessoa faminta, também não pode se colocar na minha. Mato? Sim. Cometo crueldade? Sim. Eu sei disso, afinal tenho consciência de cada um dos meus atos. Entretanto, esse é combustível do meu corpo. Como você não consegue ficar sem sexo, sem alimento, sem água, eu não vivo sem matar. É algo sem explicação, que só eu e poucas pessoas têm a capacidade de entender. Eu não tenho culpa de ter nascido frio, calculista, sem coração. Além disso, não há como conter as minhas ânsias, as minhas vontades. Mato para sentir prazer e assim vou continuar procedendo. A não ser que um dia seja impedido. Está aí, não queria saber mais sobre mim. Agora exijo compreensão: não me julguem, me entendam.


Obs: é a primeira vez que temos conto aqui no blog. Por conta das minhas últimas leituras, eu acabei me desafiando a fazer algo um pouco fora do comum e confesso que uma leitura até um pouco pesada. Entretanto, mesmo assim vou dividir essa história com vocês. Espero agradar alguém. :D


Se ainda não viu a publicação de ontem, só clicar aqui. E não se esqueça de deixar o nome e o e-mail nos comentários para concorrer ao livro que será sorteado na semana que vem.


Sou jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmento, faço mestrado de Comunicação na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

Sobre mim

Marcadores

Nenhum tag.

Trecho de livro

Tudo muda, penso. Esta é a única constante. Todos crescemos (trecho de O último adeus)

bottom of page