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Felicidade enigmática


Ser um bom observador, definitivamente não é a minha característica mais apurada,. Em compensação, quando algo me intriga, eu não sossegado até desvendar os últimos enigmas por detrás daquilo que tanto me chamou a atenção.


Foi no segundo ano do ensino médio, que, mais uma vez, o instinto detetive resolveu aflorar-se em mim. Entretanto, para que você, leitor, entenda a origem da minha investigação, é preciso que você tenha conhecimento da minha situação naquela época.


Bem! A minha situação não era a das melhores. Estava passando por aquela fase da adolescência – período de muitos conflitos, medos e incertezas. Devido a essas características, eu vivia em crise. Nada estava bom. Já fazia três anos que eu não tinha um dia sequer de felicidade. Acordar todos os dias era um tormento, mas não tinha outra escolha: apesar de toda a infelicidade, eu não poderia sentar e esperar o tempo passar, era preciso dar continuidade a vida.


Naquele ano, em nossa turma, entrou mais uma garota. Ela era gentil, educada, porém, acima de tudo, alegre. Dotada de carisma, não demorou muito tempo para que ela conquistasse a amizade e a confiança, não só minha, mas de todos da sala.


Meu objeto de investigação era uma característica dessa garota. Para ser mais específico, a sua admirável disposição. Sua vida resumia-se a conversar, fazer piadas e rir. A tristeza e o sofrimento passavam a léguas daquela garota. No início, eu pensava que a felicidade eterna fosse uma fase e que não demoraria muito para ela chegar um dia na escola descontrolada. No entanto, passou um, dois, três, quatro meses e nada. Ela permanecia imutável.


Um ano se passou e a minha suposição caiu por terra. Nada e nem ninguém abalava aquela garota. Um ano e nem sequer um estresse. Sabe aquela famosa TPM, que atormenta boa parte das mulheres, a meu ver, ela não tinha.


Como uma pessoa poderia estar vinte e quatro horas do dia feliz e não apresentar uma hora, um minuto, muito menos, um segundo de indisposição? E nessa altura do campeonato, já fazia quatro anos que eu não conseguia dar um sorriso que não fosse forçado. Para não ser totalmente pessimista, eu até poderia ter um momento de felicidade, porém ele era efêmero e muito volátil: vinha e, quando eu menos esperava, ela desaparecia. Já aquela garota...


Eu vivi um bom tempo procurando entender como aquela garota poderia ser tão feliz. Eu ainda esperava o dia em que ela chegaria à escola, como diz os populares, soltando os cachorros em cima de todos, mas nada.


Cansado de tentar entendê-la, meses antes da formatura, decidi interrogá-la para desvendar aquele mistério que me acompanhava há quase dois anos. Em uma conversa, ela aos poucos foi dividindo sua vida comigo. A garota tinha perdido sua mãe aos sete anos. Diante de uma depressão sua progenitora ateou fogo no corpo. Ela presenciou a morte da mãe sem poder fazer nada. A única coisa que estava ao seu alcance e, fez, foi chorar.


Esse depoimento deixou-me ainda mais intrigado. Como uma pessoa poderia ser tão feliz depois de ter vivido aquela realidade? Não fazia sentido para mim.


Para tirar a minha dúvida, perguntei a ela o segredo daquela disposição. Ela disse que, logo depois da morte de sua mãe, foi sua vez de entrar em depressão. Viveu momentos terríveis. Todavia percebeu que viver na lamentação não iria resolver os seus problemas. Ela revelou que tinha momentos de tristeza, de sofrimento, até a famosa TPM, porém, quando a indisposição vinha, ela fazia uma piada, dava um sorriso e, quando se dava por si, a tristeza tinha ido embora.


A nossa conversa foi longa e marcou a minha vida, pois foi por meio dela que eu percebi o quanto somos responsáveis por nossas indisposição e tristeza, já que, muitas vezes, as deixamos entrarem em nossa vida, nos acomodamos e damos continuidade à vida, reclamando de tudo. Era o que vinha acontecendo comigo, mas, graças a essa garota, eu me libertei da minha ignorância.

Sou jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmento, faço mestrado de Comunicação na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

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Trecho de livro

Tudo muda, penso. Esta é a única constante. Todos crescemos (trecho de O último adeus)

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