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O reino do pseudo em uma sociedade desigual


Nos últimos anos, tenho percebido mudanças interessantes na sociedade. Percebo ainda muitos padrões e preconceitos sendo reforçados, mas, ao mesmo tempo, visualizo transformações significativas e importantes. Diante do consolidado e da ruptura, algo me chama a atenção: a dificuldade que algumas pessoas têm de definir as suas convicções. Meu ponto de vista se direciona nesse sentido, pois vejo muitas incoerências, como por exemplo, pessoas defendendo a liberdade na hora de definir a orientação sexual, porém os próprios reivindicadores, algumas vezes, mostram-se intolerantes diante de outras práticas. Para deixar a questão mais clara, gostaria de trazer alguns exemplos da minha vivência cotidiana.


Recentemente, eu presenciei uma situação interessante. Vi um grupo de pessoas conversando. Todos e todas homossexuais defendendo o direito daqueles se relacionarem com pessoas do mesmo sexo, mas percebi que esse relacionamento tinha limite. Em poucos minutos de observação, ouvi uma indignação com pessoas que não têm um relacionamento "comum", o que pude entender na conversa é que o comum seria uma pessoa, do mesmo sexo ou não, ter um relacionamento estável, em que o casal se visse com frequência, que construísse um relacionamento forte que possivelmente se concretizasse no casamento. Em contrapartida, os casais “diferentes” eram ridicularizados, considerados estranhos e taxados de bagunça. Isso me fez pensar, será que esse grupo que é visível e lamentavelmente excluído dentro da sociedade não está fazendo o mesmo ao menosprezar aqueles que, por exemplo, queiram ter um relacionamento no estilo poliamor?


Outra coisa muito engraçada que vejo com frequência é as pessoas dizerem de boca cheia que não têm preconceito com casais homossexuais. Entretanto, quando veem duas mulheres ou dois homens de mãos dadas, já acham uma atitude estranha e se tiver beijando, aí é o fim do mundo, todavia não questionam casais heterossexuais na mesma situação. O mais engraçado são aqueles que acham lindo o filho ou a filha da vizinha se relacionar com pessoas do mesmo sexo, mas quando chegam em casa e percebem que há alguma coisa "diferente" com os seus próprios filhos, aí ficam em alerta: leva-os no psicólogo ou, em alguns casos, para igreja, com o intuito de “curá-los”. O velho ditado: o filho dos outros pode ser o que quiser, mas o meu não, tem de ser heterossexual. Não estou dizendo que isso é regra, mas acontece muito, tanto que vejo isso com frequência em minha família, por exemplo.


Outro exemplo que acho bem interessante também é a questão da mulher na sociedade. Não foram poucas as vezes que encontrei algumas mulheres defendendo a igualdade de gênero, dizendo que o homem e a mulher precisam ter os mesmos direitos, porém acham um absurdo mulheres que não dão conta do serviço e da casa, como se só a mulher tivesse obrigação de dar conta da casa e dos filhos. Ou aquelas que dizem que a traição do marido geralmente é culpa da mulher por ter falhado na relação, ao invés de dizer que o homem que é o safado da história. Ou ainda considera um absurdo uma mulher sair com uma roupa curta na rua, e pior, muitas vezes, consideram o estupro uma fatalidade da própria mulher que não estava adequadamente vestida. Complicado ver esse tipo de situação, não é?


Antes que eu seja mal interpretado gostaria de dizer que eu sou uma pessoa que defendo uma sociedade sem rótulos e tolerante. Acredito que o mundo seria mais feliz se as pessoas tivessem a liberdade de fazer suas próprias escolhas sem serem julgadas Acredito que as pessoas seriam mais felizes se tivessem a liberdade para decidir a sua vida, mas lógico respeitando o outro. Infelizmente, temos a infelicidade de querer rotular tudo. Mas, esquecemos que o rótulo traz consigo o preconceito. Isso que, muitas vezes, a meu ver, faz com que o ato de ruptura esteja sendo vivenciado dentro de uma lógica conservadora. Penso que só vamos ter uma mudança significativa quando a transformação for alcançada fora dos alicerces conservadores e, lógico, da intolerância. Vejo que temos muitas pessoas que estão seguindo esse caminho. Entretanto, ainda vejo uma sociedade carregada de pseudos defensores.

Sou jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmento, faço mestrado de Comunicação na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

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Trecho de livro

Tudo muda, penso. Esta é a única constante. Todos crescemos (trecho de O último adeus)

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